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Cetáceos e os outros animais: uma nova percepção.



Por Luiz Cláudio Alves




Os cetáceos são animais totemizados pela sociedade ocidental contemporânea. Infelizmente essa totemização não resulta em maior respeito aos animais, de modo geral... Muito pelo contrário: as mesmas pessoas que amam baleias e golfinhos, muitas vezes demonstram não se importar com o sofrimento de vacas, galinhas, porcos e outros animais utilizados como alimento, o que é conhecido como o “paradoxo da carne”.


Em relação aos cetáceos, especificamente, sabe-se que as atividades pesqueiras são responsáveis pela morte de centenas de milhares de baleias e golfinhos todos os anos. Em maio de 2020, um caso de interação negativa entre uma atividade pesqueira e um cetáceo ocorrido no Brasil atingiu repercussão nacional, quando uma baleia-jubarte juvenil se prendeu a um cabo de aço de um barco de pesca, e teve o seu pedúnculo decepado, perdendo a nadadeira caudal. Se por um lado a sociedade em geral se mostrou indignada com o acontecido, exigindo a punição dos culpados, sendo os pescadores investigados pela Polícia Federal e pelas agências ambientais, a causa primária foi simplesmente ignorada: a demanda mundial por imensa quantidade de pescados.


Com o surgimento de uma pandemia avassaladora em 2020, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, questionamentos ao redor do mundo surgiram sobre as interações dos seres humanos com os animais, principalmente com relação ao uso dos últimos como alimento. É fato que a maioria das epidemias e pandemias ocorridas no mundo contemporâneo surgiu devido ao contato com animais utilizados para a alimentação, sejam animais selvagens, sejam animais de criação. Em 2007, alguns pesquisadores de Hong Kong já advertiam, em um artigo científico, quanto ao hábito difundido na China, de se utilizar animais selvagens para a alimentação: “A presença de um grande reservatório de vírus do tipo SARS-CoV em morcegos-ferradura, em conjunto com a cultura de comer mamíferos exóticos no sul da China, é uma bomba-relógio”, afirmaram os pesquisadores.


Infelizmente, não parece que o surgimento de uma grande pandemia tenha resultado em mudanças significativas de atitudes com relação às nossas interações com os animais, nem mesmo no país que foi o seu epicentro original. Em julho de 2020, enquanto inúmeros países lutavam contra os efeitos devastadores da Covid-19, cientistas chineses publicaram um alarmante artigo científico relatando o potencial pandêmico de uma cepa de vírus da gripe suína, amplamente encontrada na China – onde se encontra o maior rebanho suíno do mundo –, não “apenas” infectando porcos em confinamento, mas frequentemente infectando também as pessoas que trabalham diretamente com esses animais, alertando: “A vigilância sistemática dos vírus da gripe em porcos é essencial para o alerta e a preparação precoces para a próxima potencial pandemia”; é comum se falar em vigilância, alerta e preparação para novas pandemias, que certamente virão, mas a causa raiz – demanda mundial por carne e outros produtos de origem animal – é geralmente ignorada.


Apesar de termos atualmente tantos alimentos alternativos amplamente disponíveis, optar por não comer carne é ainda um grande desafio, sendo difícil vencer a pressão de uma sociedade manipulada, que pensa que precisa de carnes para sobreviver. Quem opta por não comer carne e outros produtos de origem animal é de fato um subversivo, pois não se trata “apenas” de saúde, sofrimento animal, sustentabilidade e meio ambiente... Trata-se de participar de forma ativa de uma revolução econômica, pois muito da economia mundial gira em torno da exploração dos animais. Muitos pesquisadores acreditam que a intolerância a quem não come carne não pode ser racional, porque há incontestáveis evidências dos benefícios de não comer carne. Para continuar comendo carne, ao invés de alterarmos nosso comportamento e nossas crenças, temos que enganar a própria mente para impedir que o nosso lado racional se apresente, por meio de várias estratégias, como fingir que a carne não tem ligação com a morte de animais ou então não querer saber como a carne chega até o nosso prato. Além disso, a interação com vegetarianos e veganos obriga as pessoas a lidar com o “paradoxo da carne”, o que causa um grande desconforto, sendo então alvo de discriminação.


Afinal, a maioria de nós gostaria de ver menos opressão, sofrimento e violência no mundo e uma sociedade mais justa para todos; apesar de essa maioria aparentemente possuir uma moral parecida, alguns tomam mais ações para lutar por seus ideais. Em se tratando de uma sociedade mais justa, é fato que a acentuada ênfase na criação mundial de gado – a qual utiliza uma enorme parte dos alimentos vegetais que produzimos –, destinado à produção de carne e outros produtos de origem animal para as nações mais ricas, é um dos principais fatores, se não o principal, pelos quais a fome e a subnutrição ainda não foram erradicadas de nosso planeta; como afirmado por Peter Singer: “A libertação animal é também a libertação humana”.


Discutir ética é quase sempre um tanto quanto desagradável, pois adquirir uma postura ética geralmente demanda grande autossacrifício, muitas vezes trazendo pouco ou nenhum benefício próprio – ou mesmo malefícios, como a discriminação. A demanda mundial pela carne de cetáceos tem diminuído ano após ano, independentemente do crescimento das populações, e o uso letal vem sendo substituído cada vez mais pelo uso não letal desses animais, especialmente o turismo de observação de baleias e golfinhos. Os cetáceos, devido ao seu lugar de destaque em grande parte da sociedade humana contemporânea, sendo considerados merecedores de grande respeito e admiração, podem e devem ser utilizados como exemplo de uma forma desejável de relação entre os animais humanos e os animais não humanos - aqui denominados apenas de “animais” -, em que não se leva em conta apenas dados biológicos e estatísticos para guiar as nossas relações com esses animais, mas também ética, moral e emoções.


O presente artigo é parte integrante do livro Baleias e golfinhos: Histórias reais.



PRINCIPAIS REFERÊNCIAS UTILIZADAS:



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FOER, J. S. 2011. Comer animais. Rio de Janeiro: Rocco.


GAMBELL, R. 1993. International management of whales and whaling: An historical review of the regulation of commercial and aboriginal subsistence whaling. Arctic 46(2): 97-107.


JOY, M. 2014. Por que amamos cachorros, comemos porcos e vestimos vacas: Uma introdução ao carnismo. São Paulo: Cultrix.


PATTERSON, C. 2002. Eternal Treblinka: Our treatment of animals and the Holocaust. New York: Lantern Books.


ROSE, N. A., FORKAN, P. A., BLOCK, K., UNTI, B. & PARSONS, E. C. M. 2011. Whales and the USA. Em: BRAKES, P. & SIMMONDS, M. P. (Editores.). Whales and dolphins: cognition, culture, conservation and human perceptions. 37-46. London: Earthscan.


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