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Natureza e sociedade




Em 1972 tivemos a primeira grande reunião mundial de chefes de estado para tratar das questões relacionadas à degradação do meio ambiente. De lá pra cá, o meio ambiente vem se tornando cada vez mais assunto comum em nosso dia a dia, com o crescimento do ambientalismo ou movimento ecológico, que reivindica medidas de proteção ambiental e, acima de tudo, uma mudança nos valores e hábitos da sociedade para atingirmos um desenvolvimento sustentável. Porém, no fim das contas as coisas só pioraram nesse período, e muito! É fato que o ambientalismo contemporâneo tem se mostrado insuficiente para conter – e muito menos reverter – a catástrofe ambiental que enfrentamos mundialmente. Mais do que utilizar sacolas retornáveis, reciclar materiais ou acreditar que o automóvel elétrico irá salvar o mundo, temos que, como sociedade, rever drasticamente a forma como interagimos com o mundo ao nosso redor, refletindo sobre uma afirmação de Henry David Thoreau: “A maioria dos luxos e muitos dos chamados confortos da vida, não só são dispensáveis como constituem até obstáculos à elevação da humanidade”. De modo geral, mesmo sendo muito mais “desenvolvidos” que nossos antepassados, será que somos mesmo mais felizes? Será que não precisamos de mais “natureza” em nossas vidas, e menos SUVs e telefones celulares?


Os filósofos e naturalistas Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau, considerados duas figuras centrais do transcendentalismo, e suas respectivas obras “Natureza”, publicada em 1836, e “Walden ou a vida nos bosques”, publicada em 1854, são até hoje de grande influência para o movimento ambiental. Essas duas obras destacam a nossa grande necessidade de contato íntimo com a natureza, e as dificuldades de atingirmos isso em nossa civilização industrial moderna. Ambos afirmaram haver uma especial simpatia entre o ser humano e a natureza, e que quando entramos em contato com o mundo natural, temos a oportunidade de perceber um grande prazer selvagem, um deleite original, percorrendo o nosso corpo, mas que isso depende de nosso estado de espírito. Com tantas atribulações, obrigações e demais perturbações ao nosso bem estar geradas pelo nosso urbano modo de vida, é fato que poucos adultos são hoje capazes de realmente admirar a natureza, e os que conseguem são aqueles que conservaram em sua maturidade o espírito da infância; por outro lado, toda criança reinaugura o mundo e instintivamente adora permanecer ao ar livre, se divertindo ao sol, no frio ou sob chuva. Ainda assim, por serem muitas vezes criadas confinadas em apartamentos e tendo pouco tempo para brincar em meio à natureza, as crianças estão desperdiçando essa conexão instintiva com o mundo natural, e apresentando o que o escritor Richard Louv denominou de Transtorno de Déficit de Natureza – algo similar certamente vem acometendo também os adultos.


Enquanto “Natureza” é um livro teórico, “Walden” relata as impressões detalhadas de Thoreau durante seus dois anos, dois meses e dois dias vivendo em uma solidão relativa e de forma extremamente simples em uma cabana de madeira próxima ao lago Walden, localizado na área rural de um pequeno povoado urbano nos Estados Unidos; é praticamente um guia para se atingir uma vida harmônica com a natureza em nossa sociedade, da forma mais simples possível: utilizar o tempo ocioso de forma útil, trabalhar para viver e não o contrário, aprender a ver o divino e o belo em todas as formas naturais, ter uma conexão natural com a alimentação e viver com simplicidade são algumas de suas lições. Apesar de ter sido escrito em meados do século 19, se mostra extremamente atual e de grande importância no contexto de catástrofe ambiental em que vivemos: é realmente espantoso notar que os problemas da vida na sociedade relatados pelas reflexões morais de Thoreau não apenas permanecem presentes, mas significativamente magnificados nos contextos urbanos atuais, de modo geral.


Utilizar o tempo ocioso para nos conectar com a natureza: andar, meditar e contemplar a natureza é tudo o que precisamos! Ler livros, ao invés de acompanhar novelas e reality shows, programas baseados em fofocas e intrigas ficcionalizadas – ocupam precioso tempo de nossas vidas e incentivam a futilidade e distanciamento da simplicidade –, assim como jornais. De acordo com Thoreau, muito mais que uma universidade, uma residência em meio à natureza favorece não apenas a meditação, mas também a leitura em profundidade; a palavra escrita é algo ao mesmo tempo mais íntimo de nós e mais universal que qualquer outra obra de arte, e dirige-se à mente e ao coração da humanidade, a todos em qualquer época capazes de entendê-la. Se Thoreau já afirmava que a grande maioria das informações transmitidas através do correio e do jornal impresso eram inúteis, imagine o que ele acharia da avalanche diária de notícias inúteis que recebemos atualmente, pela televisão ou, cada vez mais, através da internet, sendo que as telas dos telefones celulares garantem que a internet atue como uma doentia extensão de nós mesmos. Devemos cultivar a convivência com pessoas de quem gostamos, e sempre que possível realizar juntos atividades lúdicas e criativas em meio à natureza, nos mantendo distantes das rodinhas de fofocas e intrigas – que Thoreau chamava de “perigos”. Se vivermos vidas simples, nos preocupando somente com o que realmente importa na vida, precisaremos de menos dinheiro e teremos que trabalhar menos, sobrando mais tempo para contemplarmos a natureza.


A real sustentabilidade ambiental da nossa sociedade talvez não esteja em mirabolantes estratégias ou avanços tecnológicos que aparecem por aí o tempo todo – ou seja, esperar que o mundo à nossa volta mude –, mas no retorno do ser humano a uma vida simples e em maior contato com a natureza – nós mudarmos. Encontrar por toda parte do mundo natural a simples e irreprimível satisfação com o dom da vida pode ser o caminho.


Referências


Emerson, Ralph Waldo, 2011. Natureza. Editora Dracaena.

Thoreau, Henry David, 2007. Walden ou a vida nos bosques. Editora Ground.

Louv, Richard, 2018. A última criança na natureza. Editora Aquariana.

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